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ANTÔNIO
CARREIRA MADEIRA - PY8LX
e
PADRE
ANTÔNIO GÓES - PY8AHN
Apesar de não serem novidade os serviços prestados por todos os
radioamadores do Brasil e do mundo, gostaria de relatar este fato do
qual foram protagonistas os radioamadores Antônio Carreira Madeira
- PY8LX, de Manaus-AM e o Padre Antônio Góes - PY8AHN, de Santa
Isabel do Rio Negro-AM, antiga Tapuruquara-AM.
Numa quarta-feira, como de costume, Madeira - PY8LX entrou no seu shack,
ligou seu equipamento de AM, e começou a distribuir notícias ao
longo do Rio Negro e seus afluentes, região esta que é toda
coberta pela radiofreqüência dos 25 watts do Delta do Madeira.
Na faixa dos 40 metros e com carga reduzida, o Madeira - PY8LX leva a
notícia aos lares mais distantes desse imenso mundo amazônico. Com
seus radinhos de pilha, o caboclo ribeirinho ou da terra firme
sintoniza a freqüência do Madeira - PY8LX e se mantém informado.
Essas informações são as mais variadas possíveis; vão desde o
simples “está tudo bem” até o “aguardem o padre que vai
fazer a desobriga”.
E por aí vai ao éter uma gama incalculável de informações que são
de grande utilidade para aquelas populações tão distantes ainda
dos milagres do progresso tecnológico.
Após esta série de informações transmitidas, chega a vez do Padre Góes
- PY8AHN. Nas cabeceiras do Rio Marauiá encontra-se instalada uma
missão religiosa dirigida pelo Padre Antônio Góes, brasileiro,
sergipano e radioamador. O Padre Góes é um abnegado homem que há
muitos anos convive com populações indígenas e fala várias línguas
e dialetos daquela gente.
Nesta área está situada a tribo dos Uaicás, índios que habitam a
região dos Rios Cauaburí, Marauiá, Padauri, Catanaueçu, além de
outros afluentes do Rio Negro, atingindo até suas cabeceiras, nas
serras Pico da Neblina, Imeri e Itapirapecó, na fronteira
Brasil-Venezuela.
O Padre Antônio Góes - PY8AHN breca a freqüência com seu minúsculo
equipamento portátil que lhe foi doado pela Comissão de Limites
Brasil-Venezuela, e diz: “Madeira, temos um irmão índio que foi
mordido por uma jararaca e que está prestes a morrer, pois não
temos o soro adequado”. Apesar do sinal fraco emitido pela estação
do Padre Góes - PY8AHN, e em meio ao QRM de linha e de radiodifusão,
foi o suficiente para o PY8LX arregimentar seus amigos médicos,
tendo imediatamente comparecido ao seu shack um médico, que após
fazer várias perguntas ao Padre sobre medicamentos disponíveis,
deu instruções para que fosse aplicado ao índio um coquetel feito
com aqueles medicamentos e sugeriu que o índio fosse imediatamente
removido para Manaus, pois além do efeito do veneno, poderia
ocorrer um caso de gangrena.
Imediatamente o Padre Góes preparou sua canoa, motor de popa de 25 HP,
iniciando a viagem. Nesta região o único transporte possível é a
canoa, pois o rio é completamente encachoeirado. Com um índio
auxiliando a transposição das cachoeiras e corredeiras, o Padre Góes
alcançou, após três dias de viagem, a localidade de Santa Isabel
do Rio Negro-AM (antiga Tapuruquara-AM).
Durante essa viagem, o Madeira manteve todos os contatos necessários e
possíveis para que fosse obtido o sucesso dessa missão.
Chegando em Santa Izabel, um avião da FAB já aguardava a chegada do índio
Agenor, a fim de transportá-lo para Manaus. O Madeira não parou:
consultou médicos, amigos e até desconhecidos, reservou leito no
Hospital do Estado, conseguiu ambulância e preparou a recepção.
Sete dias após a picada da cobra, desembarcava o índio Agenor no
Aeroporto de Ajuricaba. Sem saber muito ou quase nada do que lhe
estava acontecendo, Agenor passou do avião para a ambulância. No
Hospital uma equipe médica do setor de Medicina Tropical já estava
à espera do paciente humilde, porém já famoso. Com muita febre,
perna inchada e uma grande infecção, chegou até a preocupar os médicos,
que pensaram, inclusive, em amputação da perna.
Finalmente, passado o perigo da terrível grangrena, Agenor já se sente
outro. Com boa alimentação, radinho de pilha que ganhou de
presente, enfermeira à disposição, um amigo de enfermaria que faz
o papel de seu secretário, o Agenor já começa a sentir saudades
de todos aqueles que lutaram pela sua sobrevivência. Contudo, por
vezes acha até bom ter sido mordido pela cobra. Em seu português
misturado com Yanomamy, ele diz: “Só assim eu conheci a cidade
grande”.
Após a sua recuperação, Agenor estará de volta ao Marauiá, onde
encontrará sua mulher, seus filhos e sua tribo, que ansiosos
aguardam sua volta são e salvo.
Talvez Agenor nunca mais veja a “cidade grande”, cuja imagem jamais
se apagará da sua memória, e será lembrada por todos daquela
tribo, passando de geração a geração, ficando gravada apenas no
arquivo cerebral de cada índio.
E o radioamador continuará o seu trabalho espontâneo e anônimo,
levando a informação aos mais distantes rincões deste imenso
Brasil, estudando novos métodos e aplicando novas técnicas, a fim
de combater sua maior inimiga, a propagação, sentindo-se pago e
altamente recompensado apenas com a certeza do dever cumprido.
Obs.: Este fato foi contado pelo nosso colega
Luiz Ribeiro da Costa - PY8JL, de Manaus-AM, em julho de 1973.
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