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TELÉGRAFO
ELÉTRICO
John
O. Pastore
Em
1832, Samuel Finley Breese Morse regressou da Europa, num navio a
vela, Sully, onde estivera pintando, por incumbência oficial,
durante três anos. O Sully partiu de Havre a 1º de outubro de
1832, e chegou a Nova Iorque a 15 de novembro de 1832, levando mais
de seis semanas para fazer a viagem.
Ao
pisar de novo o torrão natal, as primeiras palavras de Samuel Morse
aos irmãos que tinham vindo cumprimentá-lo referiram-se à
“importante invenção... uma invenção que assombraria o
mundo... um meio de comunicar a inteligência pela eletricidade, à
distância do escritor”. Trazia o caderno de esboços cheio de
desenhos de aparelhos eletromagnéticos e dos caracteres que
pretendia utilizar num código.
A
projetada invenção era o telégrafo elétrico. Nascera-lhe a idéia
de conversas à mesa de bordo. Haviam-se verificado, recentemente,
progressos no campo do eletromagnetismo e um dos passageiros, o Dr.
Charles T. Jackson, de Boston, mostrara-se versado e volúvel no
assunto, desde os primeiros experimentos do Dr. Benjamin Franklin até
os melhoramentos contemporâneos obtidos por Ampére, na França.
Fizeram-se
muitas perguntas e travou-se muita discussão. A pergunta mais
importante parecia ser esta: “Será a velocidade da eletricidade
atenuada pelo comprimento do fio?” A experiência do Dr. Benjamin
Franklin respondia negativamente.
A
contribuição de Morse para a discussão cifrou-se na sua declaração:
“Se a presença da eletricidade pode tornar-se visível em
qualquer ponto do circuito, não vejo razão para que se não possa
transmitir instantaneamente inteligência por meio dela.”
Morse,
o artista, voltou a ser Morse, o inventor, e da sua curiosidade, das
suas convicções e da sua concentração na teoria que elaborara,
surgiu uma revolução nas comunicações - o telégrafo. O mundo
nunca mais seria o mesmo. O efeito da invenção não se refletiria
apenas sobre Morse. O telégrafo afetaria, de maneira inacreditável,
o seu mundo e todo o mundo do futuro.
Enquanto
Samuel Morse palmilhava o convés do Sully, o seu caderno de esboços,
sempre à mão, transbordava de imagens, especulações e cálculos.
Até o imortal Código Morse principiou a tomar forma. Mais tarde,
ao despedir-se do capitão do navio, disse Morse: “Quando o senhor
ouvir falar do telégrafo como a maravilha do mundo, não se esqueça
de que a descoberta foi feita a bordo do bom navio Sully”.
Faltava
muito para que o telégrafo estivesse completo. Longos e magros dias
ainda estavam por vir. Morse haveria de conhecer a verdadeira fome -
mas nunca se deixou vencer pelo desânimo. Buscou, desesperado,
encomendas de retratos para prover às mais urgentes necessidades da
vida. Mas o aperfeiçoamento do telégrafo haveria de reclamar-lhe a
totalidade das energias e o resto da existência. Morse enxergou toda
a importância da sua invenção e isso lhe deu confiança e coragem
para levá-la adiante.
Para
ele, agora, o problema era fundamentalmente simples. A corrente elétrica
passa, instantânea, de um extremo a outro do fio. Uma interrupção
da corrente significa uma faísca. Por conseguinte, uma faísca
poderia ser um sinal numa linguagem em código. A ausência da faísca
seria outro sinal. “Pontos e barras” constituiriam a nova
linguagem. Morse continuou ordenando o sistema de pontos e barras
que se imortalizaria com o seu nome.
A
década seguinte foi um período negro para o inventor. A América
mostrava-se indiferente à sua invenção. O maior incentivo que
recebeu partiu do Professor Joseph Henry, de Princeton. Em 1835, o
Professor Henry inventara o relé eletromagnético, que foi
considerado a maior invenção dos tempos modernos.
É
muito possível que o leitor comum nunca tenha ouvido falar de
Joseph Henry, cuja contribuição para a sua própria vida é tão
importante. A eletricidade em sua casa, que lhe possibilita todos os
luxos de refrigeração, aquecimento, luz, rádio e televisão; as
luzes do tráfego, que o devolvem, seguramente, ao lar; a campainha
à sua porta; o telefone, que não apenas lhe transmite as palavras
mas fá-lo com a sua própria voz - tudo isso nasceu da invenção
do Professor Joseph Henry. Toda construção que se constitui num
dente de engrenagem das comunicações modernas é um labirinto de
eletroímãs. Enormes eletroímãs chegam até a pôr em ação os cíclotrons
e os bétratons essenciais à cisão de átomos em nosso século
nuclear.
Dessa
maneira, todos podemos associar-nos a Morse na gratidão a Joseph
Henry. Foi Henry quem deu ao frustrado Morse a idéia de inserir o
relé no seu sistema, no propósito de vencer as dificuldades da
distância. Deu-lhe Henry também quantas informações possuía sobre
o telégrafo, além de tremenda ajuda psicológica, persuadindo-o de
que o tempo estava sazonado para a sua invenção e de que não
havia dificuldades práticas insuperáveis.
Havia,
porém, o que se poderia denominar uma dificuldade política. O
empobrecido Morse
necessitava de 30.000 dólares do governo para construir uma linha
experimental entre Washington e Baltimore. Familiarizado com o modo
por que andam as coisas no Capitólio, contratou, em 1841, um freqüentador
das antecâmaras dos políticos, para facilitar-lhe a abertura do crédito,
porém sem nenhum resultado. Já no ano seguinte apresentava
alentado relatório escrito, com uma interessante filosofia das
comunicações, válida até hoje.
Essa
petição resultou de uma medida da Câmara dos Deputados, em 1837.
Aprovara a Câmara resolução que indagava da conveniência de se
estabelecer um sistema de telégrafos para os Estados Unidos. Em
conformidade com ela, o Secretário do Tesouro, em março de 1838,
enviou carta circular em que solicitava propostas para “um sistema
de telégrafos com tempo bom e em pleno dia, outro para comunicação
em nevoeiros, por meio de canhões ou equivalentes e durante a noite
pelo mesmo processo, ou através de foguetes, fogueiras, etc...”
O
derradeiro prazo para as respostas expirava no dia 1º de outubro de
1837. A 27 de setembro, enviou Morse a sua, assaz alentada, em que
descrevia com minúcias o seu telégrafo e prometia demonstrá-lo em
Washington por ocasião do Ano Novo. Mas até na década de 30 o
Congresso agia com vagar, e alguns anos se arrastariam ainda antes
que a invenção de Morse fosse levada a sério.
Entrementes,
agiu o Congresso com suficiente rapidez para destruir-lhe outro
sonho. Uma comissão parlamentar estava escolhendo artistas que
pintassem quadros para os painéis na rotunda do Capitólio. Morse
desejava ser um deles e, como presidente da Academia Nacional de
Desenho, lógica seria a sua escolha. Entretanto, John Quincy Adams,
ex-Presidente e então deputado, exigiu que a competição incluísse
artistas estrangeiros, o que depreciava os méritos dos
profissionais domésticos.
Mordaz
comentário sobre Adams estampou um jornal de Nova Iorque. Anônimo,
foi atribuído, erroneamente, a Morse, e este viu rejeitada a sua
solicitação.
Mostrava-se
o Congresso igualmente protelatório com respeito ao telégrafo de
Morse, muito embora o Secretário do Tesouro houvesse emitido
parecer vagamente favorável à idéia em geral.
Obteve
Morse a mercê de utilizar as salas da Comissão de Comércio para
realizar uma demonstração, à qual compareceu, além de deputados,
o Presidente Martin Van Buren e o seu Gabinete, a convite do
Presidente Smith, da Comissão de Comércio.
Releva
notar que Morse, na correspondência com o Presidente Smith,
sugerira que “o único direito de usar o telégrafo pertencesse,
em primeiro lugar, ao governo, ao qual competiria outorgá-lo,
mediante soma ou bonificação determinada, a indivíduo ou
companhia de indivíduos que o solicitassem, e com as restrições e
normas que o governo julgasse conveniente ou correto estabelecer
para a comunicação entre dois pontos, com o propósito de
transmitir a inteligência”.
Morse
não se julgava visionário por “imaginar sulcada toda a superfície
do país, transformado numa só vizinhança”.
Declarou
também: “A maneira que aumentam as facilidades de intercâmbio
entre as diferentes partes de um país, aumenta esse intercâmbio. O
que quer que facilite o intercurso entre diferentes porções da família
humana terá por efeito, sob a orientação de sadios princípios
morais, favorecer os melhores interesses dos homens.”
De
tal maneira se entusiasmou o deputado Smith que se dispôs a
participar financeiramente do empreendimento, e sugeriu, para evitar
conflitos de interesses, que se lhe adiasse a participação até o
término do mandato, afirmando que não se apresentaria ao
eleitorado do Maine para disputar a reeleição.
Em
1839, contudo, não somente não se registrou nenhuma ação do
Congresso, mas ainda Morse foi atacado pelo Dr. Jackson, seu
companheiro de viagem no Sully.
Afiançava
Morse que o Dr. Jackson tentava desacreditá-lo e roubar-lhe o
invento.
Nem
nos anos de 1840 e 1841 surgiu qualquer auxílio do Congresso. Morse
não tinha “um tostão”. O Sr. Smith já não lhe oferecia ajuda
financeira. O inventor contratou um tal Sr. Coffin para trabalhar em
Washington em apoio dos seus interesses junto ao Congresso.
Em
1841, implorou ao deputado Boardmann que lhe abrisse um crédito de
3.500 dólares para instalar uma linha telegráfica experimental
entre o Capitólio e a casa do Presidente. Respondeu Boardmann: “O
Tesouro e o governo estão falidos. O alarve do Tyler vetou o
projeto das tarifas... a Casa está de mau humor e nada que você
proponha nesse sentido poderá ser feito.”
Diante
da incapacidade de Coffin de fazer progresso, encarregou-se Morse
pessoalmente do assunto. O deputado Ferris, de Nova Iorque,
manifestou novo interesse em 1842, e Morse tornou a instalar os seus
fios e instrumentos no Capitólio de modo que o Congresso pudesse
examiná-los. O próprio Morse se achava constantemente à disposição
dos interessados, pronto para dizer uma palavra ou fazer uma
demonstração. Bafejou-o, finalmente, a sorte no dia 30 de dezembro
de 1842, quando Ferris, Presidente da Comissão de Comércio, emitiu
parecer favorável à sua invenção.
Morse
redobrou de esforços como exibidor e demonstrador, mas só a 21 de
fevereiro de 1843 foi votado o projeto dos 30.000 dólares, que
Morse poderia agradecer ao deputado John Kennedy - isto é John
Kennedy de Maryland.
Conhecendo
hoje o que o telégrafo tem representado para o gênero humano, é-nos
francamente contristador observar a indiferença e a oposição dos
membros do Congresso daquele período. O projeto quase foi derrotado
pelas gargalhadas que provocou.
Como narra o próprio Morse, houve “uma demora tantalizante
e muitas tentativas para anular o projeto pelo ridículo”.
Propôs
um deputado que parte da verba fosse destinada a uma conferência sobre
o magnetismo animal e não ao eletromagnetismo. Outra proposta se fez
no sentido de que parte se destinasse “a experiências sobre uma
estrada de ferro à lua”. (Se esse congressista mantiver qualquer
comunicação com o mundo científico atual, saberá que estava
sendo muito mais exato do que o supunha.) O projeto foi aprovado
pela Câmara por uma incômoda diferença de 6 votos (89 a 83), com
setenta votos em branco.
Subindo,
então, ao Senado, foi apresentado pela segunda vez. Alguns
senadores descontentes trabalharam ainda pela sua rejeição. Mas
chegou o dia 3 de março de 1843, que era também o último dia de
sessão. Vinte e quatro horas depois se estrearia novo governo. O
agoniado Morse arriscara tudo na aprovação do projeto e ficou
pregado à galeria do Senado o dia inteiro. A sessão, que começou
às 10 da manhã, com um intervalo de uma hora, entre 3 e 4 da
tarde, prolongou-se pela noite adentro.
Acordara
o Senado em examinar os projetos de lei na ordem em que se
encontravam.
O
do telégrafo estava tão baixo na pauta e tão baixo na opinião de
muitos senadores, que os amigos de Morse no Senado, Huntington, de
Connecticut, e Wright, de Nova Iorque, confessaram-lhe ser pouquíssimo
provável que fosse examinado, quanto mais aprovado.
Sucumbido,
recolheu Morse à pensão. Levantou-se no dia seguinte, após uma
noite sem sono, decidido a tomar o desjejum e partir. Depois de
comprar a passagem para a casa, restar-lhe-iam 37 centavos.
Chegou-lhe à mesa o recado de que uma moça queria vê-lo na sala
de visitas - Annie Stevens, filha de um membro da Comissão de
Patentes.
-
Parabéns! - disse-lhe ela.
-
Por que? Está tudo perdido.
-
Ora, o seu projeto foi aprovado ontem à noite. Meu pai não saiu de
lá e, quase à meia-noite, o projeto foi apresentado e aprovado,
sem discussão nem debates.
O
prêmio da moça por ter trazido a boa nova consistiu na promessa de
que poderia escolher a primeira mensagem, quando se realizasse a
experiência.
Seguiu-se,
então, um ano de febril atividade, de tentativas sem conta.
Washington e Baltimore foram escolhidas para pontos terminais da
linha telegráfica. Morse fiscalizou até os mais mínimos detalhes.
Contratou Ezra Cornell, vendedor de arados, muito entendido em
escavação de fossos, para dirigir a instalação da linha.
O
primeiro plano consistia em fazer passar os fios por tubos subterrâneos.
Foi um desastre. Consultou-se de novo o Professor Joseph Henry, em
Princeton. Este aprovou um plano de esticar os fios ao longo de
postes, utilizando o gargalo de garrafas quebradas para isolar os
fios no ponto em que fossem presos aos postes.
Finalmente,
completado, o projeto ficou pronto para o primeiro teste em maio de
1844.
Em
Washington, o extremo da linha fôra colocado na sala do Supremo
Tribunal, no Capitólio. Hoje, um século depois, essa mesma sala é
o ponto de reunião da Comissão Conjunta de Energia Atômica. Uma
placa apropriada, do lado externo da porta, identifica o aposento
com a cena do triunfo de Morse no dia 24 de maio de 1844.
Annie
Ellsworth já estava pronta com a sua mensagem: “Que obras fez
Deus!” Afinavam as palavras com o estado de espírito, sério e
reverente, do inventor.
Cuidadosamente,
enviou-as Morse no seu alfabeto telegráfico e o operador, em
Baltimore, repetiu-as imediata e perfeitamente. Uma nova era de
comunicações estava próxima, mas o povo não compreendeu a
magnitude do milagre. O telégrafo era ainda considerado um
brinquedo curioso, momentaneamente apreciado e, logo, descartado.
Fêz-se
mister uma convenção política nacional para emprestar-lhe vida e
fama. No dia 26 de maio de 1844, a Convenção Democrática ia em
pleno andamento em Baltimore. Martin Van Buren parecia a indicação
provável para candidato à Presidência. Mas não alcançou reunir
os dois terços de votos exigidos nem derrubar a regra dos dois terços,
que tem sido, não raro, uma pedra de tropeço nos planos dos políticos.
De
sorte que James Knox Polk, de Tennessee, o primeiro
“candidato-surprêsa” da história, foi o indicado. Para
Vice-Presidente escolheu-se, à revelia, Silas Wright, bom amigo de
Morse, de Nova Iorque. O Sr. Wright encontrava-se ao lado de Morse
no Capitólio, quando chegaram as notícias pelo telégrafo. A sua
resposta imediata foi “não”, e Morse telegrafou-lhe a recusa. Não
querendo acreditar naquela troca instantânea de mensagens, a convenção
entrou em recesso enquanto mandava uma delegação a Washington para
descobrir a fraude. Mas não havia fraude. Wright mostrou-se irremovível
e a chapa formou-se com Polk e Dallas.
Foi
também a chapa vencedora, posto que pela diferença de apenas
40.000 votos, num total de 3 milhões. Henry Clay perdeu com os
Whigs, mas foi, na realidade, um terceiro partido, um partido
antiescravagista, que desviou o número suficiente de votos em Nova
Iorque e Michigan para dar esses Estados e a vitória nacional a
James Knox Polk.
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